Um ataque de um grupo armado a uma aldeia costeira do Norte de Moçambique provocou na quarta-feira oito a 10 mortos, várias casas incendiadas e fez paralisar algumas obras dos megaprojetos de gás natural, disseram hoje à Lusa residentes e trabalhadores.
Homens armados com catanas e metralhadoras entraram ao fim do dia em Nsemo, pelo lado da praia, na península de Afungi, a poucos quilómetros das obras.
“Queimaram casas, destruíram barracas, barcos e redes”, descreveu um pescador, morador na aldeia, que falou sob anonimato por questões de segurança, e que perdeu uma embarcação e várias redes de pesca, todas incendiadas.
A liderança comunitária de Maganja, povoação vizinha para onde a população fugiu, fez um levantamento e contabilizou 10 mortes, baleados ou atingidos com catanas, sendo que uma das vítimas faleceu já no Hospital de Palma, vila sede de distrito.
Outras fontes locais falam, no mínimo, de oito mortos.
“A zona não está segura. Não é seguro nem na praia, nem na machamba [horta]”, referiu o pescador, que estima viverem cerca de 700 pessoas em Nsemo.
Um trabalhador nas obras de construção dos megaprojetos de gás natural, residente em Palma, recebeu ordens da sua empresa para não entrar ao serviço hoje e aguardar indicações.
“Hoje não tivemos oportunidade de oferecer os nossos serviços”, referiu o homem, que preferiu o anonimato.
“A empresa disse para irmos para casa, para tentarmos repousar”, disse, acrescentando que na sexta-feira voltará a apresentar-se.
A mesma informação foi relatada por outros trabalhadores das construtoras.
“A empresa disse para amanhã [sexta-feira] voltarmos ao serviço para podermos ter as últimas informações: se ainda vamos dar continuidade [ao trabalho] ou parar”, detalhou outro funcionário.
“Seguros nós não estamos”, acrescentou: há vários locais “onde os militares se instalaram”, mas os ataques continuam a acontecer.
“Lá, onde estamos [a trabalhar] temos militares. Mesmo na zona onde houve este problema [na quarta-feira] tem militares perto”, só que os ataques continuam e isso causa receio.
“Desconfiamos dessa proteção”, sublinhou.
Um deles defende que para “todas as empresas com pessoal em Palma, seria conveniente reunirem, mandar todo o pessoal para casa” e concertarem posições com as autoridades.
Só “depois de boa conversa” deveriam “trazer de volta os trabalhadores”, concluiu.
Apesar das tentativas, a Lusa não conseguiu obter esclarecimentos das autoridades, nem das empresas.
A onda de violência na região que teve origem há dois anos em mesquitas radicalizadas já provocou cerca de 300 mortes na província de Cabo Delgado e afeta 60.000 pessoas, obrigadas a abandonar as suas terras e locais de residência, de acordo com a mais recente revisão do plano global de ajuda humanitária das Nações Unidas.
A aldeia de Nsemo pertence à localidade de Mute, posto administrativo de Palma sede, vila em cujas imediações está a ser construída a futura ‘cidade do gás’, um dos maiores investimentos privados de sempre em África, cujas previsões indicam que pode ascender a 50 mil milhões de dólares (mais de 45 mil milhões de euros).
Os trabalhos de consórcio petrolíferos liderados pela Total, Exxon Mobil e Eni movimentam cerca de cinco mil trabalhadores, segundo anunciado pelas empresas, sobretudo em obras de construção civil, que incluem alguns empreiteiros portugueses.
Fonte: LUSA